Entrevista.

(...) Que tédio.
O Garoto de terno está derretendo e nem olha para os lados, é até divertido de assistir sua agonia, deve estar perdido em diversos dilemas e lembrando de diversos cursos onde aprendeu a se portar e impressionar pessoas, pobre coitado, está condenado.
Ele olha pra minha roupa e da uma risada nervosa, acha camisa social e tênis algo estranho, fazer oque? eu acho estranho julgar alguém pela roupa, quando resolvi o que vestiria fui dominado por espécie de birra misturado com uma necessidade de conforto prático.
Escuto a secretária me chamando e me pergunto o porquê ela me passou na frente do garoto que está suando frio, ele chegou antes, a letra do meu nome vem depois e provavelmente ele será contratado, afinal quanto mais jovem mais fácil de destruir, mas aceito a mudança, apago meu cigarro e sigo para o abatedouro.
Dentro da sala encontro o meu alvo, bonitão e elegante, me estende a mão gentilmente, sorriso falso e um ar superior no rosto, são todos iguais.
Fico olhando tediosamente para seu rosto e não retribuo o aperto de mão, é um ataque direto, seu olhar muda lentamente ao ver que naquele lugar alguém não se ajoelha perante sua posição social, está confuso e quase ofendido, poderia exercer de algum poder e chamar a segurança mas a curiosidade e o orgulhe vencem, ele finge que nada aconteceu, e começa a entrevista.
- Ok. - Sorriso falso volta ao rosto - Qual é seu nome?
Respondo com sincera impaciência.
- Você sabe meu nome, sabe onde estudei, tem meu currículo, não sabe ler?
Um rastro de raiva passa na ruga de sua testa, o homem começa a pensar que vim só para lhe afrontar, sinto a falta de paciência, sinto o desafio, ele quer chamar a segurança, mas deve achar que isso seria perder de alguma forma, inocente.
Ele insiste no sorriso falso, como quem não dá o braço a torcer.
- Então se apresente.
- Bom ! - Eu respiro fundo e expiro com impaciência - Sou um perdedor, e não gosto de me vestir para me achar superior a alguém - olhei de forma incisiva para seu terno caríssimo - falsidade me incomoda, hierarquia hipócrita me incomoda, não ligo para o que lhe agrada, não ligo para seu estudo, não acho que você seja especial, e não sinto que tenha poder sobre mim, você provavelmente ganha muito dinheiro e não trabalha o bastante para merecer oque veste, não consigo lhe atribuir respeito. Desculpe (...) brincadeira, não me importa o seu perdão.
O homem agora estava boquiaberto e não disfarçou, a entrevista ruiu e ele não sabia o que fazer, não se preparou para uma afronta, não compreendia porque o que devia ser submisso lhe atacava, era um massacre, tinha medo do que não podia controlar, e eu começava a me divertir.
Continuei:
- Você lucra com a submissão dócil de seus empregados, que trabalham para que você pague seu terno e suas viagens à disney, no seu subconsciente você morre de medo de nós - a esse ponto eu estava de pé e com as mãos na mesa, quase falando em seu rosto, ele se abaixava como quem se defende de um tapa no rosto - tem medo das greves, tem medo de nos encontrar na rua, e esconde tudo isso em sua postura de chefe e empregador, brincando com vidas e mentes, quem faz sua comida? quem protege sua casa? quem limpa seu banheiro? você sabe quem somos?
Comecei a desabotoar minha camisa, e foi a gota d'água para o pânico geral.
- Venha! Cinco minutos sem golpes baixos, quão homem você é? ninguém precisa saber, sem perder a amizade, venha! VENHA! - Eu já arregaçava minhas mangas e tirava os sapatos.

(...)


Quando saí da sala o garoto não entendeu porque eu estava sem blusa e descalço, a cena devia ser hilaria e desesperadora, a secretaria entrou correndo para se certificar que ninguém morreu, enquanto eu seguia meu caminho com um sorriso sincero estampado, feliz como o perdedor que sempre fui.
A realidade era que enquanto esperava a entrevista aquele garoto desesperado me lembrou o quanto o mundo era um lugar imprevisível, e muitas vezes nos esquecemos de quem somos, aceitamos a realidade que os ''homens bem sucedidos" nos impõe, e esquecemos de quem somos de verdade, tentando nos encaixar a qualquer custo, esquecendo nossa própria felicidade.
Desde pequeno eu queria ser bombeiro. Dane-se os empresários. Lhes falta intensidade.
Ao longe eu escutei a secretaria correndo e o som de seu salto alto estalando atrás de mim, estranhei, rosto cansado e pasta na mão, precisou respirar um pouco antes de falar:
- Senhor ! Senhor espere ! O senhor foi contratado.

Parece Óbvio I - Indiferente.

Ontem ele cometeu suicídio 
não tenho coragem de voltar para casa
O cano da arma foi mais convincente
Gatilho gelado em uma realidade fria
Nunca foi suspeito, mesmo assim se tornou um fugitivo.
hoje o frio da madrugada é cortante
Não consigo voltar para casa, não tenho estomago.
A realidade cobra, e os juros são imensos
não adianta apostar, a casa sempre sai ganhando.

Lembro a primeira vez que ele gritou comigo
Os novatos se assustam com a raiva
eles não entendem o ódio e a violência.
Por muito tempo eu não entendi.
Mas quer a real?
Esquecemos que são humanos.
Todos nos dizem que são animais.
Tv; Nossos Pais; Idosos; Professores;
Martelamos a mentira até pregar
Esquecemos que são humanos.
Esquecemos que somos humanos
As vezes é preciso desenhar
E sua raiva? É só um lembrete
Estou aqui. Quero ser alguém.
A primeira vez que ele chutou a porta.
Eu tentei gritar, fui inocente.
Ele me destruiu.

Frio lá fora e um corpo aqui dentro
Eu precisava estar aqui
Talvez eu seja o único amigo 
em meio à oficiais indiferentes
para eles é rotina, um animal a menos.
Tanto faz, a quem eles servem?
Não é a mim. Não era a ele. A quem é?
Eu escutei sua voz, ele me ligou e mal reconheci
A voz de quem está prestes a partir
Não cheguei a tempo (...) Calafrios.

Procurei algo em sua raiva.
Nem eu sabia o que.
Pai violento e mãe indiferente
Aprendeu a consumir, todos aprendem
você é obrigado a aprender
As minas queriam um homem
um homem que tem
um homem que faz
A sociedade não gosta da cor
"caso perdido"
um chute por dia.
bandido bom é bandido morto?
Roubamos seu futuro. Roubamos sua felicidade.
Roubamos tudo.
Bandido bom é bandido morto.

Amigos? romance?
Vou contar uma piada:
Arrume um emprego. Se esforce.
Ninguém vê que o rio secou
Ninguém liga que os peixes morreram.
Salario de favelado não compra nem arroz
e a meritocracia mata muito mais que cigarro
mas bandido bom é bandido morto.

Eu era seu professor.
E aprendi muito mais do que ensinei.
Só damos valor ao que já se perdeu
A policia cumpre o protocolo
tentam achar o culpado.
em meio a um suicídio.

Ele era um homem mais corajoso que a grande maioria
e muito mais forte do que imaginava
E quem vai julgar seus crimes?
você vai ter coragem?
Lesa Patrimônio?
Nós lhe tiramos a vida.
Tenho uma piada melhor:
"Cidadão de bem" .

Se me faltam metáforas ou antíteses
é porque hoje a paciência já se foi.
O demônio cristão usa terno e gravata
Dono de algum banco ou empresa qualquer.
Esses o sistema não caça.
Existem diversos pontos de vista.
Mas: a quem sua visão defende?
Ideologia elitista é poema de porta de banheiro.
Parnasiano com cheiro de merda.
Mesóclises que não servem para nada.

Hoje não vou para casa. 
Uma vida se foi.
Quase ninguém se importa.